COLUMBINA – Estou então entre dois fogos?
PIERROT (avança um passo, com ambas as mãos no peito) – O do meu coração, Columbina!
MEFISTÓFELES (avança também um passo, dobra-se numa leve reverência) – Columbina..., o do meu desejo.
COLUMBINA – Sois perseverantes, vejo-me reduzida a ouvir-vos. Já é um triunfo vosso. Ainda bem que sois dois, um neutralizará o outro. (Puxa de uma cadeira, senta-se a meio da cena, voltada para o público.) Vem cá Pierrot! (Pierrot, de salto, vem cair a seus pés) Vem também, Mefistófeles! (Mesfistófeles adianta-se com aprumo e graça, pára a seu lado, espera.) E agora divirtam-me! conquistem-me! façam-me esquecer que me obrigam a ouvi-los.
PIERROT e MEFISTÓFELES (a um tempo) – Quando aqui entrei Columbina... (Calam-se ambos, entreolham-se; cada um espera que o outro prossiga. Silêncio breve.)
COLUMBINA – Não comecem por falar ambos a um tempo! e não principiem assim. Que vão dizer-me? O comum: «Quando aqui entrei, Columbina, não supunha vir encontrar...» Ou então: «Quando entrei, Columbina, já trazia a certeza de vir encontrar...» Pelo amor de Deus! lembrem-se que sou uma rapariga mais ou menos moderna.
PIERROT – Eu não ia dizer isso, Columbina.
COLUMBINA – Apostamos que sim?
MEFISTÓFELES – Veio-te à cabeça que o dissesse eu?
PIERROT – Bem, Columbina: é verdade! Eu ia dizer: «Quando aqui entrei, Columbina, já sabia que me aconteceriam grandes coisas...»
COLUMBINA – Aconteceram, Pierrot?
PIERROT – Encontrei-te, minha Columbina.
COLUMBINA – Vês? Caíste na cilada.
PIERROT – Também a não evitei, Columbina.
COLUMBINA – Mas porquê? Por que disseste exactamente o que eu queria... isto é: o que eu receava que dissesses? Não sabes nada menos repetido?
PIERROT – As palavras mais repetidas podem tornar-se novas. Toda a gente as diz, quase ninguém as sente.
COLUMBINA – Ninguém! Só tu.
PIERROT – Sou poeta, Columbina. Descubro a virgindade das coisas gastas.
COLUMBINA (para Mefistófeles) – Socorre o teu amigo, Mefistófeles! Pierrot está em grande perigo.
PIERROT – Em grandes perigos. A qual te referes?
MEFISTÓFELES – Não sou amigo de Pierrot. Não o conheço.
PIERROT (imediatamente) – Não sou amigo de Mefistófeles; nem pretendo conhecê-lo.
MEFISTÓFELES – Só perdes. Tenho algum interesse.
PIERROT – Talvez também tu percas. E a falar verdade, não me parece que tenhas grande interesse.
MEFISTÓFELES – Estás a ser pouco amável, Pierrot. Não é uso, cá na roda, tratar-se um rival com essa falta de cortesia.
PIERROT – Quem te diz que pretendo aprender os costumes da tua roda?
MEFISTÓFELES – Sou mais gentil do que tu: Não quero crer que os ignores. (?)
COLUMBINA – Mas tem graça!: estamos aqui os três sem nos conhecermos. Tanto melhor... assim nos podemos interessar uns pelos outros. Que interesse podem ter as pessoas conhecidas?
in, as Três Máscaras de José Régio
2 comments:
O "encanto" ( ou desencanto) da descoberta dos outros, até mesmo quando julgamos que os conhecemos!
E a previsibilidade da palavra esperada, por vezes pode surpreender na imprevisibilidade do inesperado...
beijos
mj
Olá minha Lua!
É isso as máscaras são a forma de melhor nos darmos a conhecer...
Beijos
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