Monday, June 26, 2006






















Caminho II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
Bom dia, companheiro...te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

Caminho III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar... encher a alma.
Camilo Pessanha

Sunday, June 25, 2006

Sugiro que desliguem o som do blog (em baixo à direita) para ouvirem a magnifica Alicia Keys



Friday, June 23, 2006




















Nesta forma finita, que é o meu corpo,
encontro a tua sombra na minha lucidez.
Mas, quando passo os dedos pela memória das horas,
trago em cada instante um vinho,
uma embriaguês
e descubro a tua sombra na minha pele.
Então, nesta forma finita, que é o meu corpo,
sinto-te mais uma vez.

Sunday, June 11, 2006





















Os Vinte Poemas
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada, e tiritam, azuis, os astros, ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a amei, e às vezes ela também me amou.
Em noites como esta eu a tive entre os meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela me amou, às vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo.
Ao longe alguém canta.
Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Como para aproximá-la o meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo.
A mesma noite que fez branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.J
á não a amo, é verdade, mas quanto a amei.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.
De outro. Será de outro.
Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame.
É tão curto o amor, e é tão longe o esquecimento.
Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços,
a minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Carlos Drummond de Andrade

Tuesday, June 06, 2006















No seu corpo é que eu encontro
Depois do amor, o descanso
E essa paz infinita
No seu corpo, minhas mãos
Se deslizam e se firmam
Numa curva mais bonita
No seu corpo o meu momento
É mais perfeito
E eu sinto no seu peito
O meu coração bater
E no meio desse abraço
É que eu me amasso
E me entrego pra você
E continua a viagem
No meio dessa paisagem
Onde tudo me fascina
E me deixo ser levado
Por um caminho encantado
Que a natureza me ensina
E embora eu já conheça bem
Os seus caminhos
Me envolvo e sou tragado
Pelos seus carinhos
E só me encontro se me perco
No seu corpo
Roberto Carlos

Não aprecio o género de música do Roberto Carlos, mas gosto deste poema, sobretudo quando cantado pela Maria Bethânia ou pela Simone