Friday, December 08, 2006

A máquina de secar as mãos

Já lhe tinham dito que andava triste. Os sorrisos aconteciam mas tinham a névoa dos olhos a acompanhá-los e assim pareciam dias de inverno: cinzentos e frios.

Naquela manhã, como nas anteriores, assolou uma tristeza mal o acordar lhe fixou o olhar no tecto. Enroscou-se debaixo do edredon quente e sentiu vontade de continuar ali, protegida do frio e do resto.

Contrariou-se e partiu para mais um dia cheio de rotinas inesperadas. Bica tomada à pressa, fazendo companhia a um sonho, ao balcão do café com nome de cidade italiana. Desde Novembro que todos os dias comia um sonho de manhã como se ao mastigar a suave massa frita conseguisse dirigir todas as outras suas vontades.

Não gostava de fazer planos, aprendeu a viver o dia à dia, sem esperar nada de especial da vida nem das pessoas. Escondia-se na piada das pequenas coisas, fingido surpreender-se e aprendeu a caminhar e a falar suavemente, dando-lhe um ar de distanciamento e de resistência.

O carro lá pegou, o rádio lá tocou, o isqueiro lá se perdeu e ela lá foi para um quarto andar de um prédio da 'city' onde um grande gabinete e um grande monte de papeis e de responsabilidades a esperavam.

Hoje que tinha querido ir tratar de arranjar quem lhe podasse as árvores, que queria ter ido acender a lareira e brincar com os cães. Hoje que lhe apetecia enrolar-se na cama com alguém, que lhe apetecia fugir mais cedo para perto do mar, não a deixavam. A agenda andava atrás dela nas mãos da secretária: é às s 11 horas ali..às 15 acolá, mas ainda tem que passar cá..no final do dia. Que merda, pensou!

Almoçou à pressa e não gostou do que ouviu. As lágrimas ainda assolaram na garganta mas foram engolidas com o pato e com o arroz. Molhou-se porque não usa chapéu de chuva, aturou 10 pessoas as masturbarem-se a uma mesa de reuniões e voltou a molhar-se a caminho da Mexicana.

Era o final de um dia extenuante mas ainda conseguiu questionar-se porque os bolos estavam num balcão e a máquina de café no balcão em frente. Sem fome, pediu uma miniatura só para observar os movimentos do empregado de mesa.

Olhou para o ambiente, achou tudo feio, incluindo a horrorosa da empregada da caixa e foi ao w.c. Cansada, sabia que aquela hora só conseguia concentrar-se em pormenores. Reparou no lavatório, em inox, num modelo avantgard oposto ao estilo e clientes do café: só mamutes! Gostou das despropositadas decorações de Natal e ainda concluiu que se houvesse ali um sofá era capaz de fumar um cigarro!

Mas o desencanto completo do dia estava ali a dois segundos quando o olhar rodou com as mãos molhadas, procurando as toalhas e encontrou o secador das mãos.

Detestava secadores de mãos, o barulho absurdo, o calor exagerado e aquela posição de mãos que parece que esperam as algemas. O desespero subiu tão alto que concentrou todos desencantos das últimas horas.

Saiu, pensando no poder dos pormenores. Suspirou: a leoa da savana agora queria mesmo ser só de peluche e encontrar uma almofada.

2 comments:

Lúcio Ferro said...

Interessante, Lua.

Essa Leona realmente parece um cadinho... cansada de o ser. Ou se calhar é apenas cansaço físico, fiquei com a ideia de ser uma pesssoa que sabe muito bem o que quer.


Gostei ;)

PS- Tem graça, também costumo frequentar a Mexicana. Não todos os dias, mas quando tenho tempo, de manhã, na esplanada a ler o jornal e a tomar café. Se calhar já me cruzei com a Leona, lol!

Beijos

Ligada à Terra said...

Olá, Lobo!
É dificil conhecer a Leona :-) mas eu vou-lhe perguntar se costuma ir de manhã à Mexicana.Julgo que não pq ela mora noutro bairro de Lisboa.
Beijo e bom domingo